O
eSocial, sistema de coleta e envio de informações trabalhistas, previdenciárias
e fiscais desenvolvido pelo governo federal como parte do Sistema Público de
Escrituração Digital (Sped), segue sem data definida para o início da adoção
obrigatória. Apesar disso, departamentos de recursos humanos das empresas - área
mais impactada pelo novo sistema, segundo especialistas - já se movimentam para
fazer o dever de casa e se preparar para a temida nova
realidade.
O
início do uso do sistema depende da publicação de um manual pelo governo, ainda
sem data prevista. A partir da divulgação dele, as empresas com mais de R$ 3,6
milhões de faturamento anual terão seis meses para começar a inserir as
informações pedidas, e mais seis meses até a
obrigatoriedade.
O
sistema não faz mudanças na legislação, mas cria um ambiente virtual em que
informações que antes ficavam isoladas em sistemas distintos ou dependiam de
fiscalização passarão a ficar disponíveis on-line para diferentes órgãos do
governo - como o Ministério do Trabalho e Emprego, a Receita Federal, o
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o Ministério da
Previdência.
O
RH será o mais afetado pela adoção do eSocial na opinião de 45% das empresas
ouvidas em um levantamento da consultoria PwC, com 48 companhias. O novo sistema
também figura entre as prioridades do RH em 2014 segundo pesquisa da consultoria
de recursos humanos Hay Group com 214 empresas.
Os
consultores reforçam, contudo, que a adequação ao novo sistema exige a
cooperação de diversas áreas, como parte de um esforço multidisciplinar dentro
das organizações. "O impacto é na empresa toda. Várias áreas vão precisar
interagir para gerar as informações necessárias", explica o sócio de capital
humano da PwC, João Lins. As principais dificuldades apontadas pelas companhias
que participaram do levantamento da PwC são a necessidade de uma mudança
cultural (33%) e a adaptação de processos internos (21%).
"A
empresa que não fizer o dever de casa corre o risco de ficar sujeita a multas e
ter um custo de conformidade legal muito maior do que o de hoje", diz Lins. Em
42% das consultadas pela PwC, em abril deste ano, já havia sido criada uma
estrutura dedicada à implantação do eSocial. Outras 35% haviam começado a se
movimentar de forma parcial, no aguardo do cronograma definitivo de
implementação. Na maioria, o RH toma papel de liderança e ajuda na integração
com as outras áreas.
A
química Basf, com cerca de 4.400 funcionários no Brasil, criou um projeto
destinado ao eSocial no fim do ano passado. O primeiro passo foi contratar uma
consultoria externa para fazer um mapeamento e achar as lacunas nas informações
visando o layout disponível. Depois, foi feito um detalhamento das ações que
precisarão ser tomadas para adaptar os processos ao novo sistema. A equipe
dedicada ao projeto chega a 50 pessoas de diferentes áreas, com predominância do
RH e da informática, e sob a liderança do departamento de
pessoas.
A
gerente de recursos humanos Anita Viviani imagina que o trabalho mais complexo
aconteça agora, com a adaptação dos sistemas atuais para as exigências do
governo. Depois, o desafio é a manutenção e a atenção redobrada a informações
que antes não eram responsabilidade de seu departamento. "Muitas vezes, uma
informação depende da outra e todos os responsáveis precisam estar bem treinados
e alinhados.
Provavelmente também vamos precisar de uma pessoa no RH dedicada a
fazer esse monitoramento", explica.
Há
cerca de um ano, a Basf criou um centro de serviços com 33 pessoas para
internalizar os processos de folha de pagamento e administração de pessoal. A
mudança foi parte de uma estratégia global da empresa, mas Anita afirma que vai
ajudar na preparação para o eSocial. Os fornecedores externos de sistemas como o
de informações legais e de medicina e segurança também estão envolvidos.
Atualmente, o projeto está nas etapas finais, e ficará parado até a publicação
do manual para retomar os trabalhos e formular um cronograma
definitivo.
Na
fornecedora de benefícios e gestão de despesas Ticket, os trabalhos também
começaram no fim do ano passado e representam um dos principais projetos do RH
em 2014, segundo o gerente de benefícios, saúde e motivação da empresa, Carlos
Cavequi. A companhia, de mil funcionários, já terminou um diagnóstico de
"aderência" ao novo sistema, e atualmente promove reuniões de comitês de
trabalho a cada 15 dias. Cada uma delas tem pelo menos oito pessoas de diversas
áreas, além da participação de uma consultoria externa e dos fornecedores de
programas como folha de pagamento. Sempre presentes estão os profissionais do
RH, área que lidera o projeto, e os de TI.
Segundo
o executivo, o principal desafio será promover a mudança em alguns processos da
organização, pois o eSocial vai impactar a periodicidade de envio de
informações. Essa será a próxima fase do projeto, que está começando a ser
desenvolvida. O novo sistema afeta o trabalho dos gestores de todas as áreas da
empresa, inclusive no cuidado com a transmissão de informações como admissões e
férias. Para isso, estão previstas campanhas de comunicação e treinamento nos
próximos meses.
O
atual layout divulgado pela Receita, que ainda não é definitivo, exige
informações permanentes como tabelas com descrições de cargos e salários,
registros de eventos como contratações, alterações contratuais ou acidentes de
trabalho - que terão que cumprir os prazos legais exigidos - e dados periódicos
como folha de pagamento e informações tributárias e previdenciárias. "É preciso
tomar cuidado, pois essa questão do departamento de pessoal dentro do RH muitas
vezes ficou esquecida por causa dos softwares", explica Karin Friese Soliva
Soria, supervisora da área de consultoria previdenciária e trabalhista da De
Biasi Auditores Independente s.
A
diretora da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), Andrea
Huggard-Caine, destaca a preocupação não apenas sobre o aumento de trabalho dos
departamentos de RH, como também dos custos da operação - em especial em micro e
pequenas empresas. "O sistema vai mudar a forma como o RH atua. Pode ser que as
decisões relativas a funcionários demorem mais tempo, o que não é bom para as
companhias", diz.
Para
João Lins, da PwC, as ações exigidas do RH por causa do eSocial podem trazer à
área uma função com pouco "glamour", mas ainda assim necessária. "O papel desses
executivos também é zelar para que a organização cumpra suas obrigações legais
em relação aos recursos humanos. Não há como ser um RH que agrega valor e faz
estratégia sem cuidar de maneira eficiente de questões de compliance",
diz.
Já
Maria Paula Curto, diretora de recursos humanos da produtora de açúcar e etanol
Biosev, de 17 mil funcionários, considera que as exigências podem ajudar no
futuro, quando os sistemas estiverem em funcionamento de forma automatizada e o
RH possa focar mais a estratégia e menos as questões
processuais.
Na
empresa, o projeto começou em janeiro e possui um profissional de RH focado em
tempo integral em pontos relacionados a áreas como saúde e segurança. "O
contingente maior é de tecnologia da informação, com quem sempre tivemos uma
relação estreita", diz. Há cerca de cinco anos, a empresa promoveu um processo
amplo de mudanças na base de dados que facilitou a adaptação ao eSocial. "Além
de usar menos papel, espero que no futuro o RH consiga ser mais analista",
diz.
Fonte:
Valor
Econômico, por Letícia Arcoverde,
07.08.2014
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário